Confira a entrevista com o agrometeorologista e professor do Departamento de Engenharia de Biossistemas da Esalq, Paulo Sentelhas
Especialista em agrometeorologia e responsável por estudos sobre diversas culturas agrícolas, o professor Paulo Sentelhas diz que as mudanças climáticas podem, a longo prazo, afetar o padrão da agricultura brasileira. No caso da soja, que tem uma janela de plantio estreita e um ciclo cada vez mais curto, ele alerta para a necessidade do melhoramento genético, mas diz que hoje condições de manejo também são imprescindíveis. “A diferença do produtor bom para o médio é o yield gap”, diz. O conceito mede a quebra de produtividade em relação ao potencial das lavouras. Ele acredita que, com o aumento da eficiência em 20%, a média da produtividade brasileira saltaria de 55 para 80 sacas por hectare. Paulo estima que, com uma condição ótima de manejo, e considerando os efeitos do clima, o produtor poderia colher 130 sacas por hectare.
Globo Rural Por que os estudos climáticos são tão importantes para a produção rural?
Paulo Sentelhas Eles mostram situações de risco. Se vou para uma região para cultivar determinada cultura e tenho um risco de 50%, significa que o dinheiro que eu ganhar nos cinco anos que produzir bem é para pagar o prejuízo dos cinco anos que vou produzir mal. Temos estudos climáticos justamente para mostrar esses cenários. Todas as empresas que trabalham com compra e venda de propriedades agrícolas lançam mão de estudos agroclimatológicos para calcular o risco de a produção ficar abaixo do custo de produção naquela região.
GR O senhor poderia explicar por que o clima é responsável por 50% da produtividade da agricultura?
Sentelhas Quando falamos que o clima é responsável por cerca de 50%, não é da produtividade em si, mas da variabilidade da produtividade. A produtividade varia de um ano para outro, e grande parte dessa variação é clima. Se eu considero o mesmo genótipo, cultura, cultivar, solo e tática de manejo, por que a produtividade varia? Por causa do clima, sobre o qual temos um controle parcial. Se eu mudar a época de semeadura, estou mudando a condição de clima que ela vai enfrentar. Então, o efeito do clima na produtividade é enorme, não só os 50%, porque todo o processo de produção de biomassa e de energia da planta depende das condições meteorológicas.
GR É possível apontar as culturas que mais vão sofrer com as variações climáticas?
Sentelhas A variabilidade climática ocorre ano a ano e todas as culturas são afetadas por ela. Nossa ação, como engenheiros agrônomos, é tentar minimizar os impactos do clima na agricultura. Em termos de aptidão, ao mudar o clima, algumas culturas deixam de ser aptas a algumas regiões. Então, é complicado falar na “cultura que mais vai sofrer”. Isso vai depender da região onde ela está e de suas exigências climáticas.
GR Falando de produtividade, por que a média brasileira da soja é tão baixa?
Sentelhas Hoje, a grande maioria dos produtores corre contra o relógio. Assim, ele vai fazer a correção do solo em superfície, e não em profundidade. Ele vai fazer adubação em superfície e transitar com máquina o tempo todo, compactando. Tudo isso leva a um perfil de solo raso. E não é só a questão da compactação física. Tem a limitação química. O produtor teria de mudar o protocolo de manejo. Isso obviamente aumenta o custo. Mas, a médio e longo prazo, essas ações vão levar os produtores a sair das 50 sacas de soja por hectare e passar para 60, 70, 80. Hoje, temos produtores que estão tirando, em média, 70 sacas por hectare, enquanto que a média brasileira na última safra foi em torno de 55. A diferença é o manejo.
GR Essa é a aplicação do conceito de yield gap?
Sentelhas A diferença do produtor bom para o médio é o yield gap. Quanto se perdeu de produtividade devido à falha de manejo. Já fizemos vários trabalhos com soja, milho, mandioca, cana e agora algodão. Calculo a produtividade potencial, ou seja, o máximo que a cultura conseguiria produzir em determinado ambiente se não faltassem água, nutrientes nem houvesse problemas fitossanitários; além de uma condição ótima de manejo e sem restrição hídrica.
Por Nelson Niero Neto e Vinicius Galera
Revista Globo Rural